quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Ana Larissa


" Salvador, 24 de agosto de 2010,
 
Inicialmente quero dizer que não acredito, acreditem, que este texto possa mudar qualquer das barbaridades que vivenciei nessa madrugada. Acreditem, não acredito que encontrarei eco em algum lugar. Preciso, entretanto, falar..."

Assim começa a carta escrita ao Conselho Regional de Medicina (Cremeb) pelo médico Vinícius Moraes, um relato emocionado, contando como a garota Ana Larissa Menezes Baptista, de apenas 8 anos, morreu depois que três pediatras de um hospital público negaram atendimento a ela. A menina faleceu por causa de acidente vascular cerebral (AVC), após enfrentar uma maratona de quase 12 horas perambulando por quatro unidades de saúde do Estado. A carta acabou vazando e agora circula na internet.

Na carta, Vinícius conta como foi a luta para tentar salvar a vida de Ana Larissa, desde o momento em que a transferiu do Hospital São Jorge para o Roberto Santos. Numa narrativa comovente, ele chega a classificar  de “show de horrores” os fatos perpetrados pelas pediatras.



 " (...) Deixamos o HGE por volta das 03h45min e fizemos, eu e Lidysi, o caminho de volta até a CER chorando por termos presenciado, e vivido, tanto sofrimento durante àquelas horas infindáveis. Chorei como há muito não fazia. Chorei destruído com a confirmação do quão frágil é a vida humana. Chorei lamentando que uma menina de oito anos tenha partido de maneira tão repentina. Chorei invadido pelo choro daqueles pais que me abraçaram agradecidos e reconheceram, num momento de perda, o nosso trabalho. Chorei porque encontrei tanta gente, que atende tantas outras gentes, sem estar de fato compromissada com isso. Chorei porque novamente vi um ser humano ser tratado como um problema, um problema cuja paternidade ninguém quis assumir... Chorei porque encontrei abandono, desrespeito e incompreensão. Chorei porque tudo o que já era tão doído se tornou ainda pior tamanha as barbaridades que vi e ouvi. Chorei como nunca. Chorei descrente da profissão que escolhi. 

Termino esse desabafo reafirmando que não acredito em mudanças reais. Os protagonistas desse drama continuarão por lá, pelos corredores do HGRS, pelos corredores de tantos outros hospitais públicos. Eles continuarão humilhando os mais necessitados - os fragilizados pela falta de saúde e de saída -, continuarão tentando intimidar os mais esclarecidos que se opõem às suas arbitrariedades. Esse desabafo existe, entretanto, para registrar a minha indignação frente a tudo isso. Seja você que me lê um instrumento de Deus por aqui. Coloque-se no lugar daquela família que perdeu uma filha e que presenciou tanto abandono. Sinta-se tocado por aquela dor e repense suas atitudes frente à vida, frente aos vivos. Tente fazer diferente. E, sobretudo, ame quem quer que seja e tenha a sorte de ser amado como eu sou. Só assim, experimentando a libertação, a salvação que é ser amado, você possa, então, ser amor nesse mundo."
 
O Ministério Público da Bahia (MP-BA) e Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) abriram investigações para apurar as denúncias contra as três pediatras do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), baseados na carta do médico Vinícius Viana Bandeira Morais.

Veja matéria e carta na íntegra

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